Há gelo lá fora. Muito mais acima, no Norte, nas Terras Altas, onde os que caminham na rua são muito mais fortes do que eu. São aqueles que caminham passo a passo, sem solfagem nem ar condicionado, que calçam 3 pares de meias, 2 camisolas interiores por baixo de não sei quantas camisolas e casacos. Eu não, eu sou uma menina de Lisboa, habituada a andar com o rabo sentado no belo estofo do seu carro, habituada a camisolinhas de malha fina e calças de ganga que tão bem modelam as pernas. Camisolas interiores não sei o que são há vinte anos. São quentes, mas desadequadas. Agora compra-se aqueles "básicos" na Zara, Mango, Massimo Dutti e outros espanhóis que tais e está feito. Qual termoteb qual quê.
Há gelo lá fora. E aqui dentro também. A minha racionalidade, de vez em qdo, parece-me assemelhar-se a blocos duros, quadrados e inalteráveis. Aqueles que estão acondicionados em couvettes e têm uma função própria, diferente da habitual. Aqueles que servem para ajudar a curar feridas e traumas dos meninos que esfolam joelhos, batem com as testas em esquinas alheias ou apanham uma estalada mais forte do coleguinha do lado. O meu gelo é desses, desses com funções terapeuticas. O meu gelo anda a fazer-me lindamente, a absorver o trauma e a calá-lo. O meu gelo faz-me jogar para trás das costas e respirar calmamente. E o meu gelo há-de guiar-me ao esquecimento, porque é nesse gelo que enterro todos os que por aqui passaram.
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