domingo, 19 de outubro de 2008


Acendeu um incenso de jasmim e o cheiro entrou-lhe pelos pulmões adentro, pela cabeça adentro. O cheiro era mais enjoativo do que da última vez. Chegava quase a dar dor de cabeça, estômago enrolado.


E funga e funga e pergunta porquê. Hábito nela. Hábito nos seres humanos. nada de especial. Especial, será quando deixar de haver interrogações e os olhos passem a comer tudo, sem saborear. Aí sim, será especial. Ou não, porque a palavra especial é especial. É bonita. E olhos que não comem, são olhos mortos e a morte não é uma coisa boa. É algo que nos captura a liberdade e nunca mais a devolve. É o que nos contam.


Pensava ela no que ele pensaria. Se aprovaria, se abanaria a cabeça muitas vezes em tom de desagrad. Se choraria por ela, de cada vez que a vía fazer uma asneira consciente. Se a amparava quando ela se sentia desalmadamente só. Ela acha que não. Que esta solidão tem sido dura. Que as bofetadas têm sido mais violentas do que chicote e começa a pensar que afinal está sola. Sola, sola sola. Piu sola, para aprener a desenvencilhar-se. Depois, olha para a televisão e vê os desgraçadinhos todos, os estrupiados, os mortos de fome, os doentes com cancro, os inválidos. Ou então conversa com as amgas, os colegas, a sra da padaria e ouve histórias muito mais triste que a dela, histórias de gente que acreditava ser dona do mundo, da sua própria vida e veio alguém e mostrou que não era bem assim.

Então ela pensa que afinal é uma pessoa cheia de sorte,que tem mais é que agradecer a vida calma que tem, que o dinheiro ainda vai chegando para carro e trapos e que tudo chegará na altura certa.

Que esse desamor que a cerca não é nada que ela não consiga descartar, que até já deixou de fumar há mais de dois anos e ganhou aversão doentia aos cigarros. Se assim foi, se até veio de lá, do outro lado do mundo, de coração e boca partidos, tudo o resto é peanuts.


E talvez seja mesmo.

Era uma vez...

Tenho uma irmã mais velha com quem não tenho muita proximidade. Nada o previria, já que temos apenas 3 anos e meio de diferença. Era suposto termos amigos comuns, histórias comuns, memórias comuns. Não as temos. Cortámos o laço que nos unia há já muitos anos. Cortámos? Cortaram, cortaste.

Esta irmã de que falo, enviou-me hoje um e-mail a informar-me de que tinha feito um blog. A princípio, li o assunto e não prestei muita atenção. Apenas o fiz, depois de jantada, televisão embrutecida vista e rabo espapaçado nesta cadeira. O blog, ao contrário do que eu pensava, não era sobre o dia-a-dia dela, histórias sobre os filhos, o marido, os doentes no hospital. Não era sequer sobre a bela ilha em que mora. Não era sobre as viagens que ela não fez, não era sobre os desejos que ela terá.

Este blog é sobre ele, Francisco. Francisco que no seu mês recebeu mais uma lembrança, ainda que tenham passado nove anos sobre o seu desaparecimento. Nove anos que não apagam o som da sua voz, ao contar-nos as histórias que a minha irmã tão fielmente transcreveu.

É engraçado que esta semana, em conversa com uma amiga, tenha comentado que, do que mais me lembro nas pessoas, é do toque. Que cheiros e vozes se desvanecem na minha memória, mesmo que faça um esforço tremendo para que isso não aconteça. É verdade que a voz de Francisco nunca desapareceu, nunca voou para esse lugar escuro onde estão tantas outras. É verdade que quase sei reproduzir momentos e situações.
É verdade que nos continuas a fazer muita, muita falta e que, por mais que eu pense que já não tenho mais lágrimas, elas continuam a rolar sem pedirem permissão, sempre que és evocado. Lágrimas de saudade, de tempo que nos faltou. Lágrimas de alegria por teres sido o nosso avô mais querido do Mundo.

Aqui fica o blog, para quem quiser espreitar: http://historiasdoavoxico.blogspot.com/

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Outubro, o teu mês.

Francisco, que hoje fazia 90 anos. Francisco que me ensinou, acima de tudo, a sonhar.

Espero que adormeças esta noite, lado a lado com ela. Ela que te enchia os olhos e a alma. Que adormeçam abraçados, que se respirem um ao outro, que se fundam.

Francisco que tanta falta nos fazes.

Que todos os amores sejam reais, como o que sempre nos deste.

Tanta saudade.

Yes, we're two drifters, off to see the world

Moon river, wider than a mile
I’m crossing you in style
some day
Oh, dream maker,
you heart breaker
Wherever you’re goin’,
i’m goin’ your way

Two drifters, off to see the world
There’s such a lot of world to see
We’re after the same rainbow’s end, waitin’ ’round the bend
My huckleberry friend, moon river, and me